sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A ironia da saudade

Saudade é irracional, é uma injustiça, que registra apenas a parte boa, os momentos bons. Jamais se corrompe pelo que aconteceu de ruim, o que causou o fim. É uma imagem sempre clara e brilhante dos momentos bons que foram vividos sem as manchas dos erros que vieram depois. Tem suas próprias proporções, pois não é medida pelo tempo mas pelo tanto que aquela pessoa conseguiu fazer florescer dentro de nós. 
Saudade é desaprender a andar sozinho e caminhar constantemente de mãos dadas com uma falta. É como não ter mais um membro e ainda senti-lo. É abrir a boca pra contar algo e se deparar com um vazio. É falar sozinho esperando que as palavras possam encontrar aquela pessoa de algum jeito e conseguir ouvir sua resposta em meio ao eco que restou. 
É lembrar do ontem e querer sorrir sem conseguir. É tentar buscar o ar quando uma lembrança de nós dois surge comprimindo o peito. É ter medo de adoecer de novo longe da preocupação do outro e nunca melhorar. É ter medo de não estar mais na mesma página, pior ainda: no mesmo livro. A verdade é que saudade quando bate a gente nunca sabe como se defender, apenas aceita o golpe tentando não contorcer o rosto e continuar de pé.
O coração quase nunca aceita que acabou, não se importa com o que aconteceu, com quem errou, porque a saudade é irracional, é uma ironia. Quando matam o amor, ele arranja um outro jeito de existir e vira então saudade. Saudade é a sobrevida do amor, é a esperança de que o amor continue em algum lugar, a esperança de que alguma parte de nós continue se procurando mesmo que em segredo, o desejo de estar vivendo apenas o adiamento de uma história que tem continuação.
Saudade é querer saber o que você faz agora que te faz não lembrar de mim. É ter um diálogo sozinho e adivinhar exatamente o que o outro diria sobre qualquer coisa... ver e ouvir suas críticas perfeitamente nos seus traços e no seu sotaque. É experimentar a cegueira de não saber mais da vida daquela pessoa e continuar caminhando, tateando no escuro, procurando uma saída, ou um caminho de volta. 
Alguém um dia disse que "Saudade é um relógio sem ponteiros" e é verdade. É sentir a agressão do tempo e não saber como revidar. Contar o tempo de algo sem previsão, contar os minutos pra que seja ontem. Mas sempre é amanhã.